Como camisinhas ajudaram a estudar cigarras na Amazônia
28/10/2025
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Conhecidas pelo som característico que produzem, as cigarras são um grupo de insetos que abrange mais de três mil espécies diferentes espalhadas pelo mundo.
Mas uma espécie típica da Amazônia, a Guyalna chlorogena, chama atenção por um comportamento curioso: ela constrói pequenas torres de argila misturada com urina ao sair do solo.
Segundo Pedro Pequeno, professor e pesquisador do Instituto Serrapiheira e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia SinBiAm (INCT-SinBiAm), as cigarras passam a maior parte da vida debaixo da terra, se alimentando da seiva das raízes.
Torres de argila com urina construídas por cigarras na Amazônia despertaram curiosidade de pesquisadores
Divulgação/Instituto Serrapilheira
Quando estão na fase final da vida, já saindo do solo para fazer a metamorfose e virarem adultos, é que esses insetos constroem as torres.
"As torres vão aumentando gradualmente, noite após noite, elas [as cigarras] vão construindo aos poucos, durante alguns meses", detalha.
Apesar das torres serem relativamente conhecidas na região amazônica, Pequeno diz que a função delas era desconhecida.
E isso intrigou um grupo de brasileiros que fazia um curso na Amazônia.
"Desde o início, nas trilhas exploratórias, as torres da cigarra chamaram muito a nossa atenção, elas pareciam uma vila de fadas que saía do chão. E o que era mais curioso é que não tinha nenhuma explicação para isso", conta a bióloga Marina Méga, doutoranda da UFRJ que fazia parte do grupo.
Afinal, qual a finalidade dessas torres?
Hipóteses
Duas hipóteses foram elaboradas pelos pesquisadores.
A primera era que essas estruturas serviam como um mecanismo de proteção e defesa das cigarras, diminuindo o risco delas serem vítimas de um predador no período de ninfa.
"Porque quando chega nessa fase de metamorfose, a cigarra sai, emerge e faz essa troca de pele para assumir a forma adulta, mas esse processo é demorado, e quando ela faz isso, ela fica grudada ali na parte de fora da torre, imóvel. Se aparece algum predador ali, ela morre", explica Pequeno.
O fato da torre ter em sua composição a urina também levantou a possibilidade de servir como uma espécie de repelente para inibir os predadores.
A segunda hipótese é que as torres permitiam trocas gasosas para que as cigarras pudessem respirar dentro das estruturas.
"O solo é um ambiente com pouco oxigênio e muito dióxido de carbono, então esses bichos pequenos que vivem no solo, eles naturalmente passam por uma adaptação para lidar com essa situação", explicou Pequeno.
Pesquisadores usaram 40 preservativos para testar hipótese de trocas gasosas nas torres de cigarra
Divulgação/Instituto Serrapilheira
Para testar essa hipótese surgiu uma ideia inusitada: usar camisinhas para vedar as torres.
"A gente olhou para as torres, achou o formato um pouco peculiar. E assim, em um tom de brincadeira, uma das minhas colegas sugeriu a gente usar os preservativos", contou Marina Méga.
A ideia era simples: se a torre servisse realmente pra troca de gases, a tendência era que o preservativo inflasse com o gás carbônico que estivesse saindo dali, pelos pequenos poros da argila.
E foi exatamente isso o que aconteceu.
"O preservativo começou a inflar e a gente viu que havia algum tipo de troca gasosa. A gente ficou eufórica. Começou a comemorar, a cantar. Enfim, a gente teve esse momento de muita felicidade. Foi uma vitória, porque a gente estava em um ambiente inóspito, com relativamente poucos recursos", lembra a bióloga.
Após o teste, a equipe de pesquisadores encomendou cerca de 40 preservativos para confirmar a hipótese das trocas gasosas e fez outros experimentos com iscas de formigas pra verificar se as torres também serviam para as cigarras se protegerem de predadores.
No fim, as duas hipóteses se mostraram verdadeiras.
"Na perspectiva científica, é algo que preenche lacunas do que a gente já tem, do que a gente sabia. A gente sabia pouco sobre essas estruturas, tinha uma perspectiva mais morfológica, estudos mais observacionais, mas nenhuma hipótese era realmente testada sobre essas funções. E as funções dessas estruturas podem aumentar a sobrevivência das cigarras, e isso tem toda uma importância biológica", destacou Ména.
Maior torre de cigarra já vista no mundo
Acredita-se que nem todas as espécies de cigarras construam essas torres. Mas, há registro de ao menos um tipo desse inseto em cada continente, segundo Pequeno.
No entanto, o que chama atenção nas torres estudadas em Manaus é o tamanho. Durante os experimentos na Amazônia, os pesquisadores encontraram uma torre de 47 centímetros, a maior já vista no mundo.
Pesquisadores encontraram na Amazônia torre de 47 centímetros, maior já registrada
Divulgação/Instituto Serrapilheira
"As torres amazônicas são muito maiores do que todas as outras que temos documentadas. Geralmente, as torres que chegam a 8, 10, no máximo 12 centímetros, eles não passam muito disso. E as que a gente observou em Manaus, isso já era descrito na literatura, podiam chegar até 40 centímetros. E aí, andando lá, a gente encontrou torre de quase 50 centímetros", afirmou Pequeno.
Os resultados dessa descoberta na Amazônia, que foi feito de forma inusitada, deu origem a um artigo científico que, segundo Pequeno, deve ser publicado em breve.
"Entender funções de estruturas biológicas é útil porque grande parte do que a gente faz no mundo é imitando estruturas biológicas. Frequentemente nós, pesquisadores, estamos tentando imitar o processo natural que já existe de forma extremamente eficiente. Se a gente conseguir entender como as torres de cigarra funcionam, isso pode trazer inúmeras implicações de trocas gasosas, controle térmico, por exemplo."